sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Pipocas.

A cidade estava em quase absoluto silêncio, até parecia quatro da manhã, mas era pouco mais do que quatro da tarde. Levantei do sofá um instante, no final do primeiro tempo, para ir até a janela observar os prédios, as ruas. Todos estavam dentro de suas "panelas", feito grãos de pipoca que ainda não estouraram, mas faltava pouco para que explodissem. Foi bem nessa hora que Kaká marcou o primeiro gol do Brasil. A tampa da cidade se abriu e as pipocas finalmente estouraram. O povo saltou da cadeira como aquele desenho animado que passa antes dos filmes, as pipoquinhas todas em polvorosa, alegres, empolgadas. É isso, pensei: somos milhões de pipocas em ação.

Não me olhe com essa cara, juro que estou em pleno domínio das minhas faculdades mentais. É que não é fácil escrever uma coluna um dia após a estréia do Brasil na Copa, e ainda escrever a jato, porque o jornal tem que fechar a edição. Bem que eu queria demonstrar aqui neste espaço minha perplexidade com o assassinato brutal das meninas gaúchas na Grande Florianópolis, ou falar que minha torcida pela Varig é tão grande quanto a torcida pelos Ronaldos. Mas um dia após a nossa primeira e suada vitória, não tenho como fugir de falar sobre algo relacionado a futebol. E já que não sou comentarista, não estou na Alemanha e me confunde até hoje com a lei do impedimento, pensei em apelar para uma metáfora, algo assim como comparar pessoas a pipocas, levando em consideração que a pipoca, alimento tão associado ao cinema, troca de assento durante a Copa do Mundo e se converte no melhor companheiro em frente à tevê.

Pesquisando sobre o tema, descobri que o milho que não estoura se chama piruá. Sabe aquele milho que sobra na panela e se recusa a virar um floquinho branco, macio e alegre? Piruá. E aí tenho que concordar com o escritor Rubem Alves, que já escreveu sobre o assunto: tem muita gente piruá neste planeta. Gente que não reage ao calor, que não desabrocha. Fica ali, duro, triste e inútil pró resto da vida. Não cumpre sua sina de revelar-se, de transformar-se em algo melhor. Não vira pipoca, mantém-se piruá. E um piruá emburrado, que reclama que nada lhe acontece de bom. Pois é. Perdeu a chance de entregar-se ao fogo, tentou se preservar, danou-se.

Domingo vai acontecer outra vez: todo mundo enclausurado dentro de suas panelas. Silêncio, tensão. O fogo será acendido assim que o juiz apitar o início da partida contra a Austrália. Que a seleção seja quente o bastante para nos fazer explodir. E que possa mostrar para aqueles que têm vocação para piruá que o importante na vida é reagir às emoções, e não manter-se frio, fechado, feito um grão que não honrou o seu destino.

Eis a crônica de hoje. Aquela história de que estou em pleno domínio das minhas faculdades mentais era brincadeira, como se vê.


Autora: Martha Medeiros ( Texto tirado do livro "Doidas e Santas" )

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